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ENDO 1 - Retratamento Endodôntico

  • anacrp
  • 9 de jun. de 2022
  • 8 min de leitura









O tratamento endodôntico está pautado na prevenção, manutenção ou restabelecimento da saúde dos tecidos perirradiculares. Embora o tratamento apresente um alto grau de sucesso (aproximadamente 95%), falhas podem ocorrer e estão frequentemente associadas à presença de uma infecção intrarradicular persistente em canais previamente não instrumentados, túbulos dentinários ou nas irregularidades do complexo sistema de canais radiculares (SCR). Nesses casos, o retratamento é indicado para reduzir o conteúdo bacteriano intracanal e permitir a cura dos tecidos perirradiculares. A reintervenção endodôntica é um procedimento realizado sobre um dente que já recebeu uma tentativa prévia de tratamento definitivo, resultando numa condição que requer uma intervenção adicional para se obter um resultado bem-sucedido. De um modo geral, compreende a remoção do material obturador, possível localização de canal não encontrado, ganho da patência, repreparo químico-mecânico e reobturação do SCR, com o objetivo de superar as deficiências do tratamento anterior.


Etiologia do fracasso endodôntico

A presença de sinais (radiolucidez, fístula e/ou tumefação) e sintomas (dor) da doença perirradicular associada a dentes tratados endodonticamente indica o fracasso na manutenção ou restauração da saúde perirradicular. Uma revisão da literatura mostrou que as causas da doença pós-tratamento podem ser divididas em fatores microbianos (infecção intrarradicular e extrarradicular) e não-microbianos (reação a corpo estranho e cistos verdadeiros).


Fatores microbianos

- Infecção intrarradicular: a literatura tem demonstrado a associação da periodontite apical pós-tratamento à infecção intrarradicular, mesmo em dentes aparentemente bem tratados. Bactérias que resistiram aos processos de desinfecção geralmente estão localizadas em áreas de difícil acesso dentro do SCR, as quais incluem canais laterais, ramificações, istmos e túbulos dentinários. A infecção intrarradicular pode ser persistente ou secundária. A persistente é causada por bactérias presentes no 1º tratamento, que não foram eliminadas e/ou controladas com sucesso, sendo essa a principal causa da periodontite apical pós-tratamento. A secundária é causada por bactérias introduzidas no SCR após a quebra da cadeia asséptica durante o 1º tratamento ou por falha no selamento coronário após a conclusão do mesmo.


- Infecção extrarradicular: em alguns casos, bactérias podem superar a defesa do hospedeiro e estabelecer uma infecção além dos limites do forame apical. Geralmente, é associada à inflamação aguda e caracterizada por um abscesso com fístula. No entanto, tem sido sugerido que, em alguns casos, uma infecção extrarradicular pode estar associada à inflamação crônica e levar ao insucesso. Essa condição está relacionada à formação de biofilme na superfície externa da raiz, formando colônias de actinomicose no interior da lesão. A infecção extrarradicular pode ser dependente ou independente da intrarradicular. A dependente é aquela mantida pela proliferação constante e invasão dos tecidos perirradiculares por bactérias presentes na infecção intrarradicular. Assim, a infecção extrarradicular não se sustenta sem a intrarradicular. A independente é aquela que não é mais estimulada pela infecção intrarradicular e pode não responder ao tratamento endodôntico convencional. Porém, não há claras evidências até o momento de que uma infecção extrarradicular possa existir como um processo autossustentável, independente da infecção intrarradicular.


Fatores não microbianos

Embora técnicas modernas demonstrem que a maioria dos canais de dentes com periodontite apical pós-tratamento estejam associados às infecções intra ou extrarradiculares, há alguns relatos de casos que sugerem que algumas lesões podem não cicatrizar devido a fatores não microbianos endógenos (cristais de colesterol e cistos verdadeiros) ou exógenos (reações a corpo estranho ao material obturador extravasado ou cone de papel). Porém, na maioria desses casos, é difícil descartar a presença de uma infecção. A participação de fatores não microbianos como causa exclusiva do insucesso ainda precisa ser comprovada. Além disso, erros de procedimentos como instrumentos fraturados, degraus, perfurações e sobreobturações não são a causa direta da doença pós-tratamento. Na maioria desses casos, uma infecção está presente e é a responsável pela inflamação persistente ou emergente.


Diagnóstico diferencial

Antes do retratamento, devemos descartar a possibilidade de dor:

Não odontogênica: o diagnóstico diferencial deve incluir síndrome de dor miofacial, dor neurogênica e psicossomática, disfunção temporomandibular, síndrome de cefaléia vascular, doença do sistema nervoso central, e infecção herpética ou por outros vírus.


Odontogênica de origem não endodôntica: o diagnóstico diferencial deve incluir trauma oclusal, doença periodontal e fraturas dentárias.


Indicações

Um paciente apresentando periodontite apical pós-tratamento possui 4 opções de tratamento: fazer nada, extrair o dente, retratar ou cirurgia perirradicular. Endodonticamente, a opção recai sobre retratamento ou cirurgia perirradicular. A escolha vai depender dos seguintes fatores: acesso ao canal, localização e situação anatômica do dente, envolvimento com peças protéticas, qualidade do tratamento endodôntico previamente realizado e envolvimento periodontal. O retratamento pode ser indicado quando: (i) tratamento prévio apresentar obturação inadequada do SCR e exposição prolongada à saliva; (ii) exame clínico revelar persistência de sintomas como dor à percussão e palpação, fístula, edema, mobilidade e impossibilidade de mastigação; (iii) observar-se radiograficamente rarefações ósseas em áreas previamente inexistentes, espaço do ligamento periodontal aumentado, aumento de área radiolúcida e progressão da reabsorção radicular; e (iv) quando o dente for submetido a cirurgia perirradicular, onde o canal se apresente inadequadamente instrumentado e obturado.


Etapas do retratamento endodôntico

As razões para o fracasso do tratamento endodôntico primário são de natureza microbiológica; portanto, o sucesso do retratamento dependerá da desinfecção do SCR. Porém, o retratamento pode apresentar desafios técnicos durante as suas etapas, as quais são: remoção da restauração coronária, remoção de retentores intrarradiculares, remoção do material obturador, e repreparo químico-mecânico, medicação intracanal e reobturação do SCR.


Remoção da restauração coronária

Pode ser simples (amálgama, resina, ionômero de vidro ou blocos) ou complexa (coroas metálicas ou cerâmicas). As restaurações simples são removidas com brocas. Quanto às complexas, pode-se tentar a sua remoção, quando houver defeito ou cárie, ou manutenção. A manutenção pode ocultar rotações dentárias e impedir a visualização da câmara pulpar. Porém, quando apresenta boa qualidade, favorece o isolamento absoluto, mantém os dentes em função e a estética. Elas podem ser removidas por:


- Remoção por desgaste: são utilizadas brocas esféricas diamantadas e multilaminadas transmetal. Pode ser desgastada por completo, o que consome tempo, ou por seccionamento, agilizando a remoção

- Remoção por ultrassom: a energia ultrassônica promove a quebra da linha de cimento, possibilitando a remoção da restauração por tração com auxílio de um instrumento

- Remoção por tração: o saca-prótese ou extrator pneumático podem ser usados na remoção de coroas e pontes fixas. Com o choque mecânico, o cimento é fraturado e há o deslocamento da coroa. Esses aparelhos devem ser usados com cautela devido ao risco de fratura

- Remoção por combinação de métodos: a associação de 2 ou mais métodos possibilita uma remoção mais rápida, segura e eficaz


Remoção de retentores intrarradiculares

Os fatores que influenciam sua retenção são: comprimento, diâmetro, conicidade e acabamento de superfície. Comprimentos e diâmetros maiores aumentam a retenção; pinos cilíndricos apresentam retenção superior aos cônicos. Quanto à configuração de superfície, os rosqueados ou serrilhados são mais retentivos que os lisos. Além disso, o material utilizado na cimentação (cimentos resinosos são mais difíceis de serem removidos) e a localização do dente no arco (quanto mais posterior, maior a dificuldade) também influenciam na remoção. Podem ser removidos por:


- Remoção por tração: é indicada na remoção de pinos metálicos fundidos ou pré-fabricados. Pode ser feita com dispositivos especiais ou não. A tração com fórceps ou porta-agulha remove os retentores fracamente fixados no canal. Porém, a maneira mais indicada para remoção é através de dispositivos como o alicate saca-pinos e o pequeno gigante, que aplicam no topo radicular uma força igual e com sentido contrário ao da remoção do retentor. As desvantagens desses sistemas são o tamanho do dispositivo, que impede seu uso em dentes posteriores e em pacientes com limitada abertura de boca, e o risco de fratura.


- Remoção por ultrassom: o ultrassom impacta mecanicamente na porção extrarradicular do retentor metálico, fragmentando o cimento e facilitando sua remoção por tração. É necessário desgastar o núcleo, para que apresente um diâmetro coronário similar ao retentor. Nos multirradiculares, o núcleo deve ser dividido em 2 partes (nos superiores, separa-se a parte vestibular da palatina; nos inferiores, a parte mesial da distal). É um método conservador, seguro e eficiente, que evita perfurações e minimiza os riscos de fratura.


- Remoção por desgaste: os retentores metálicos podem ser removidos com brocas. Porém, essa abordagem pode levar ao enfraquecimento da raiz e até à perfuração. Enquanto os métodos de tração e ultrassom são conservadores, o de desgaste é mutilante e promove acentuada perda de estrutura dentária.


- Remoção por combinação de métodos: a associação de 2 ou mais métodos possibilita uma remoção mais rápida, segura e eficaz.


- Remoção de retentores pré-fabricados: pinos roscados são removidos pelo movimento de rotação à esquerda através de chaves específicas, pinças ou pontas de ultrassom. Os pinos pré-fabricados não metálicos (fibra de vidro) são removidos por desgaste com brocas.


Remoção do material obturador

Diversas técnicas têm sido propostas, que vão desde a utilização de instrumentos manuais e mecanizados, associados ou não a solventes, até o emprego de calor e ultrassom. Independentemente da técnica utilizada, é importante que a remoção não altere a morfologia interna do SCR.


- Canais obturados com guta-percha e cimento: a guta-percha pode ser removida por meios mecânicos (instrumentos), térmicos (calcadores aquecidos ou aparelhos específicos), químicos (solventes) ou pela associação destes métodos, enquanto os cimentos são removidos pela ação mecânica dos instrumentos.


§ Obturações com compactação deficiente: nesses casos, a remoção é simples. Após a remoção do material obturador da câmara pulpar, realiza-se irrigação abundante com NaOCl, insere-se uma lima Hedstroem em sentido apical entre a parede do canal e o material obturador, e faz-se um movimento de tração no sentido coronário para remoção do cone;


§ Obturações bem compactadas: quando a obturação é homogênea e bem condensada, a remoção torna-se mais complicada. Pode-se remover o material obturador do terço cervical com brocas de Gates-Glidden ou instrumentos aquecidos. O solvente pode ser colocado nesse espaço e, em seguida, limas manuais tipo Hedstroen ou K podem ser usadas na remoção da obturação dos terços médio e apical. Nenhum instrumento ou técnica é capaz de remover completamente o material obturador do SCR. Esse material remanescente pode interferir na desinfecção, impedindo que instrumentos, irrigantes e medicações atinjam bactérias remanescentes no SCR;


§ Solventes: são utilizados para dissolver a guta-percha e facilitar a penetração da lima na massa obturadora. O clorofórmio, solvente mais eficaz, é carcinogênico e não mais recomendado. O xilol é extremamente tóxico e apresenta menor efetividade que o clorofórmio. O eucaliptol é menos efetivo, mas apresenta propriedades antibacterianas e anti-inflamatórias, e parece ser o solvente de escolha atualmente. Dissolvida pelo solvente, a guta-percha amolecida pode disseminar-se para as complexidades do SCR, tornando sua remoção mais difícil. Assim, o uso de solventes deve ser restrito a casos em que a penetração da guta-percha pareça impossível, não devendo ser utilizada no terço apical devido ao risco de extravasamento. O óleo essencial de laranja parece ser um solvente eficaz para os cimentos, enquanto o cone de Resilon pode ser dissolvido pelo clorofórmio.


- Canais obturados com pastas e cimentos: pastas que não tomaram presa são de fácil remoção, sendo removidas com limas e bastante irrigação com NaOCl. Cimentos que tomaram presa apresentam uma maior dificuldade de remoção. Instrumentos tipo K podem ter sua porção final cortada e serem utilizados para fragmentar o cimento.


- Canais obturados com cones de prata: cones de prata não seccionados podem ser apreendidos por uma pinça Stieglitz e removidos por tração. Cones de prata seccionados apresentam maiores dificuldades na remoção. Inicialmente, deve-se buscar uma passagem entre o cone e o canal com instrumentos tipo K. Em seguida, uma lima Hedstroen é introduzida nesse espaço. Com pequenos movimentos de penetração, deve-se cravar suas hélices no cone de prata e realizar a tração.


- Canais obturados com carreadores plásticos (Thermafil e Guttacore): podem ser removidos com limas tipo Hedstroen inseridas lateralmente ao material em uma profundidade adequada seguido de tração.


Repreparo químico-mecânico, medicação intracanal e reobturação do SCR

Após a remoção do material obturador, realiza-se o repreparo químico-mecânico com o objetivo de eliminar tecido necrosado/infectado e biofilmes bacterianos residuais. Em muitos casos, canais adicionais podem ser encontrados, sendo estes uma possível origem do insucesso. Para isso, a câmara pulpar deve ser minuciosamente examinada. A tomografia computadorizada de feixe-cônico tem se mostrado extremamente relevante na localização de canais adicionais bem como na visualização da anatomia, iatrogenias e reabsorções. Outro procedimento importante durante o retratamento é a correta determinação do comprimento de trabalho, de forma que instrumentos, irrigantes e medicações alcancem todo comprimento do canal. Manobras coroa-ápice são recomendadas para a neutralização do conteúdo tóxico. Tendo em vista que a infecção é a responsável pela persistência da doença perirradicular, meios mecânicos e químicos devem ser empregados para criar um ambiente favorável ao reparo desses tecidos. Assim, uma irrigação abundante com NaOCl, dotado de atividade antimicrobiana de amplo espectro e capacidade solvente de tecido, deve ser realizada seguida pelo uso de uma substância quelante (EDTA ou ácido cítrico) para remoção da smear layer. Uma medicação intracanal à base de hidróxido de cálcio também deve ser usada. A obturação deve ser bem compacta e homogênea, ficando confinada ao canal, 1 a 2 mm aquém do ápice radicular.


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