ENDO 2 - Acidentes e Complicações em Endodontia
- anacrp
- 5 de jul. de 2023
- 8 min de leitura
Aula 3

Durante as etapas do tratamento endodôntico, alguns acidentes e complicações podem ocorrer em virtude da complexidade anatômica dos dentes, da falta de conhecimento das propriedades mecânicas dos instrumentos endodônticos, do desconhecimento de procedimentos técnicos adequados e da pouca habilidade do profissional. Entretanto, os acidentes advindos da intervenção endodôntica podem ocorrer tanto com profissionais de pouca experiência como com aqueles bastante experientes. São considerados acidentes os acontecimentos imprevistos, casuais e dos quais resulta dano que dificulta ou mesmo impede a execução do tratamento endodôntico. Os mais comuns estão relacionados com a instrumentação dos canais radiculares, destacando-se: fratura dos instrumentos endodônticos, formação de degraus, transporte apical de um canal radicular curvo e perfurações endodônticas. A ocorrência de acidentes durante o preparo de canais infectados é mais crítica, pois pode comprometer a desinfecção e a limpeza e predispor ao fracasso do tratamento
Complicação é o ato ou efeito de dificultar a resolução do tratamento endodôntico. Pode advir dos acidentes ou ser inerente aos dentes, como por exemplo: canais atresiados, curvaturas radiculares, rizogênese incompleta e anatomias atípicas. As complicações inerentes aos dentes podem induzir acidentes
Acidentes e complicações
Durante o isolamento absoluto
- Aspiração ou ingestão de instrumentos: pode levar a complicações sérias; porém, é facilmente evitado pelo uso do isolamento absoluto. Nesses casos, os pacientes devem ser encaminhados de imediato para o serviço médico, sendo a remoção cirúrgica indicada para alguns instrumentos deglutidos e quase todos aspirados.
- Solução irrigadora na cavidade bucal: além de possuir um sabor extremamente desagradável, a presença de um irrigante como o NaOCl na cavidade oral pode causar lesões nos tecidos e ânsia de vômito. Tal situação é evitada por um isolamento absoluto bem realizado.
- Alergia ao látex: alguns pacientes podem ser alérgicos ao látex. Para esses casos, há disponível no mercado lençóis de borracha sem látex.
Durante o acesso
- Abertura insuficiente: ocorre pelo desconhecimento da anatomia. Uma abertura insuficiente afeta negativamente a localização dos canais, e dificulta o preparo e a obturação do SCR. O conhecimento da anatomia com a realização de uma correta forma de conveniência nos acessos pode evitar tal complicação.
- Desgaste acentuado: ocorre devido ao desconhecimento da anatomia, à utilização de brocas inadequadas e em níveis profundos, e à procura de canais com brocas. Para evitá-lo, o profissional deve, além do conhecimento anatômico, avaliar a radiografia inicial, observando o tamanho e volume da câmara pulpar e dos canais, e a possível existência de calcificações.
- Materiais restauradores na câmara pulpar: existem situações em que o material obturador encontra-se obstruindo a entrada dos canais, ou mesmo há o deslocamento de fragmentos desses, como na remoção do amálgama, para a sua entrada, podendo levar a um erro durante essa etapa.
- Perfurações coronárias: são pseudo comunicações mecânicas ou patológicas da cavidade pulpar com o meio oral e/ou com os tecidos perirradiculares. São divididas quanto à sua localização em supragengival, subgengival supraóssea e intraóssea.
Durante o preparo químico-mecânico dos canais
- Degrau: é uma irregularidade criada na parede do canal, aquém do comprimento de trabalho (CT) e sem comunicação com o ligamento periodontal. Ocorre geralmente no início da curvatura de canais curvos, dificultando ou impedindo o avanço da lima em sentido apical. Pode ser causado por desconhecimento da anatomia interna e do sentido de curvatura da raiz, acesso inadequado, uso de instrumentos não compatíveis com o diâmetro do canal (podendo levar até ao rasgo na zona de risco), uso de limas rígidas em canais curvos, erro no CT e irrigação inadequada (obstruindo o canal). Sua prevenção está pautada em um adequado acesso com remoção de interferências cervicais (desgaste compensatório) e no pré-alargamento dos terços cervical e médio, permitindo a lima chegar de forma mais livre ao terço apical. Uma determinação correta do CT, manutenção da patência, abundante irrigação, uso de limas flexíveis e da técnica crown-down reduzem as chances de sua ocorrência. O tratamento consiste na ultrapassagem do degrau com uma lima tipo K nº 10 pré-curvada, retomando o trajeto original do canal. A ampliação prévia do terço cervical é recomendada. Vencido o degrau, realiza-se o tratamento normalmente. Se o degrau não for vencido, instrumenta-se e obtura-se o canal até ele.
- Falso canal: é a formação de um canal, sem comunicação com o ligamento periodontal, por erro de instrumentação. Geralmente é criado a partir de um degrau, mas pode resultar da dificuldade de remoção do material obturador de canais atresiados e/ou curvos, e de segmentos apicais de canais obstruídos. Os fatores que favorecem sua formação e prevenção, assim como as manobras utilizadas na sua resolução, são os mesmos dos casos de degrau. Um degrau detectado precocemente pode, na maioria das vezes, ser contornado e eliminado, o que raramente acontece com um falso canal. Quando o canal original for retomado, procede-se a instrumentação e obturação, geralmente preenchendo também o falso canal. Se o canal original não for retomado, instrumenta-se e obtura-se até o falso canal.
- Transporte apical: é a mudança de trajeto de um canal curvo em sua porção apical, que ocorre devido a um desgaste progressivo de sua parede externa adquirindo o aspecto de ampulheta. Quando o desvio apical permanece na dentina, é chamado de transporte apical interno. Quando alcança o comprimento de patência e modifica a forma original (rasgo) do forame, é chamado de transporte apical externo ou zip, havendo hemorragia persistente na região apical. O transporte apical durante o preparo de um canal curvo ocorre devido ao uso do movimento de limagem e de instrumentos rígidos, estando sua prevenção relacionada ao uso de instrumentos flexíveis e do movimento de alargamento.
- Sobreinstrumentação: é o preparo do canal até ou além da abertura foraminal (arrombamento). Esse acidente ocorre em canais retos; nos curvos, o arrombamento foraminal é chamado de transporte apical externo. As causas incluem: radiografia de má qualidade, determinação e manutenção incorreta do CT, ponto de referência coronário deficiente e cursor mal posicionado. Paciente relata dor, há hemorragia persistente na região apical e dificuldade no travamento do cone de guta-percha. Um novo batente apical deve ser estabelecido dentro dos limites do canal, o que é difícil de ser feito, principalmente quando o arrombamento foraminal foi acentuado.
- Subinstrumentação: é o preparo do canal aquém do CT, que ocorre por erros na determinação do CT, movimento de limagem aquém do CT, obstrução do terço apical, irrigação deficiente e não manutenção da patência. Uma lima tipo K nº 10 com abundante irrigação é utilizada na tentativa de desobstruir o terço apical. Se a obstrução não for vencida, instrumenta-se e obtura-se o canal até ela. Canais infectados podem comprometer o resultado do tratamento.
- Fratura de instrumentos: a causa principal de fratura é o uso excessivo ou força exagerada aplicada às limas. Para a prevenção da fratura, a lima deve ser sempre examinada antes do uso e descartada em caso de distorção. Limas mais finas devem ser descartadas frequentemente. O canal deve estar sempre irrigado, pois isso minimiza o atrito da lima com as paredes do canal, aumentando sua vida útil. As opções de tratamento são: remoção do fragmento, ultrapassagem do fragmento, não ultrapassagem do fragmento ou remoção cirúrgica do mesmo. A ultrapassagem e remoção estão condicionados ao diâmetro do canal em relação ao diâmetro do fragmento (se o diâmetro do canal for maior que do fragmento a ultrapassagem é menos complicada), localização da fratura (quanto mais apical, mais difícil), anatomia do canal (em canais circulares e curvos é mais complicado) e experiência profissional. Para a ultrapassagem, deve-se ampliar o canal até o nível do fragmento fraturado e tentar a sua ultrapassagem com uma lima do tipo K nº 10. Caso haja sucesso, tenta-se remover o fragmento com o auxílio de pontas de ultrassom associadas ao microscópio operatório. Quando se consegue a ultrapassagem, mas não a remoção do fragmento, instrumenta-se e obtura-se o canal normalmente. A obturação sepulta o fragmento, pois sua permanência não interfere no resultado do tratamento. Se o instrumento não for ultrapassado, o preparo e a obturação são realizados até ele. A remoção cirúrgica do fragmento pode ser considerada quando o mesmo estiver no terço apical e houver uma patologia perirradicular associada, ou quando o fragmento estiver fora da raiz e uma abordagem ortógrada não for bem-sucedida. O prognóstico do caso depende da remoção da infecção intrarradicular e não da lima.
- Perfuração radicular: é uma comunicação acidental do canal com o tecido ósseo caracterizada por hemorragia intensa. Pode ser dividida quanto à sua localização em cervical, média e apical. A perfuração cervical resulta do uso de alargadores de Gates-Glidden ou Largo e/ou limas rígidas e de diâmetros não compatíveis com o diâmetro do canal. Se houver contaminação da perfuração, recomenda-se o combate à infecção (medicação intracanal com hidróxido de cálcio) e posterior selamento da mesma. O prognóstico é desfavorável quando comparado com as perfurações radiculares média e apical. O sucesso dependerá do tamanho e do nível da perfuração, bem como da contaminação ou não da área. Degraus, falsos canais, e canais atresiados, curvos e com obstruções do terço médio podem levar às perfurações médias. Quando for possível remover as obstruções e retomar o canal, a perfuração é considerada e tratada como um canal lateral. Não havendo contaminação, a obturação deve ser realizada imediatamente após o preparo químico-mecânico. Nos casos de contaminação da perfuração, recomenda-se o combate à infecção e posterior selamento da mesma. A não retomada da trajetória do canal apresenta um prognóstico desfavorável, principalmente se houver lesão perirradicular. A perfuração apical ocorre frequentemente na parede externa de um canal com curvatura apical. Falsos canais, canais atresiados e com segmentos apicais curvos ou obstruídos podem induzir à essa perfuração. São geralmente provocadas por limas tipo K de aço inoxidável. Para canais com curvatura apical, deve-se priorizar as limas flexíveis.. Quando a retomada da trajetória do canal for possível, a perfuração é tratada como um canal secundário, devendo a obturação ser feita imediatamente na ausência de infecção. A não remoção da obstrução e não retomada do canal são desfavoráveis ao prognóstico, principalmente na presença de lesão perirradicular.
- Extravasamento de NaOCl: pode ocorrer devido a uma ampliação iatrogênica do forame apical, perfuração radicular, travamento da agulha de irrigação, irrigação com muita pressão e com a agulha posicionada no CT ou além. Pode haver dor súbita e aguda durante a irrigação, seguida de rápida tumefação difusa. O tratamento é paliativo, devendo ser prescrito analgésico e o paciente, acalmado. Tem sido sugerido irrigar abundantemente o canal com soro para diluir o efeito da extrusão. Inicialmente não há necessidade de antibióticos. O paciente deve ser monitorado cuidadosamente; um aumento acentuado no tamanho ou extensão do inchaço ou sinais de obstrução das vias aéreas determina o encaminhamento imediato do paciente para o hospital.
Durante a obturação dos canais
- Extravasamento de material obturador: geralmente é consequência da sobreinstrumentação, falta de forma cônica adequada do preparo do SCR, reabsorções ou rizogênese incompleta. Pode causar dano tecidual e inflamação. Dependendo da quantidade extravasada e da composição química, o cimento pode ser reabsorvido e a guta-percha encapsulada. De um modo geral, deve-se proservar. Em caso de insucesso, pode-se remover o material obturador via canal ou cirurgicamente.
- Fratura radicular vertical: é uma situação intratável que tem como causas remoção excessiva de dentina, cimentação de núcleo intrarradicular, força excessiva na condensação da obturação, etc.
Durante o preparo do espaço para colocação de retentor intrarradicular
- Perfuração e fratura: há risco de ocorrer fratura do remanescente dentário bem como perfurações durante a remoção da coroa protética e do conjunto núcleo/retentor intrarradicular. A remoção da coroa deve ser realizada de forma mais atraumática possível, através do ultrassom, brocas ou pelo saca-prótese. Nos retentores intrarradiculares, deve-se ter o mesmo cuidado, utilizando pontas de ultrassom para romper a linha de cimento e para vibrar o retentor, removendo-o de forma rápida e segura.
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