ENDO 2 - Lesões Endo-Perio
- anacrp
- 10 de mar. de 2021
- 9 min de leitura
Aula 5

O tratamento e o prognóstico das doenças endo-periodontais dependem da etiologia e do diagnóstico correto da condição específica. Frequentemente, o diagnóstico dessas condições representa um desafio para o clínico. Um dos maiores dilemas é a identificação da origem de um processo patológico na integridade do ligamento periodontal (LPD). Fatores etiológicos, como microrganismos e fatores coadjuvantes como traumatismo, reabsorções radiculares, perfurações e anomalias de desenvolvimento desempenham um papel importante no desenvolvimento e na progressão das lesões endo-periodontais
Vias de comunicação entre a polpa dental e o periodonto
O fato de o periodonto ser anatomicamente interligado à polpa dental cria vias de acesso para a troca de agentes nocivos entre os dois tecidos quando um deles ou ambos são afetados. Consequentemente, doença em um dos tecidos pode resultar em condições patológicas no outro. A polpa dental e os tecidos periodontais são intimamente relacionados. Esses tecidos estão conectados por meio de três principais vias de comunicação: (i) túbulos dentinários, (ii) portais menores de saída e (iii) forame apical. Outras vias não-fisiológicas podem ainda estabelecer comunicação entre os tecidos periodontal e pulpar: (i) perfurações dos canais radiculares, (ii) fraturas radiculares verticais e (iii) reabsorções radiculares externas
- Túbulos dentinários: normalmente o cemento radicular atua como uma barreira protetora; porém, pode-se estabelecer uma comunicação direta entre a polpa e o periodonto pelos túbulos dentinários quando o cemento estiver ausente, o que pode acontecer como resultado da presença de anomalias de desenvolvimento, processos patológicos ou procedimentos periodontais ou cirúrgicos. Esses túbulos dentinários expostos podem servir como vias de comunicação entre a polpa e o LPD. Os túbulos dentinários estendem-se da polpa à junção cemento-dentina (JCD) em um curso relativamente reto. A luz do túbulo dentinário diminui com a idade ou com a resposta a estímulos crônicos e de baixa intensidade, a partir da deposição dentina peritubular mineralizada. A densidade dos túbulos varia de 8.000 túbulos por milímetro quadrado na JCD até 57.000 túbulos por milímetro quadrado na porção terminal da polpa. Estudos têm demonstrado que a exposição dentinária na junção cemento-esmalte (JCE) ocorre em cerca de 20% dos dentes. Além dessa exposição fisiológica dentinária, procedimentos como raspagem e alisamento, traumas e lesões quimicamente induzidas podem estar associados a exposições dentinárias. Como citado anteriormente, essas exposições criam uma via direta de comunicação entre os tecidos periodontais e a polpa. Quando um grande número de túbulos dentinários é exposto, há possibilidade de que a polpa seja afetada, dependendo da intensidade do estímulo e da resposta pulpar
- Outros portais de saída: os canais laterais e acessórios podem estar presentes em qualquer porção ao longo da raíz e sua incidência e localização tem sido amplamente documentada. Estima-se que 40% de todos os dentes tenham canais acessórios e laterais, mais frequentemente encontrados no terço apical da raiz. Canais acessórios na região de furca de molares inferiores podem ser também uma via de comunicação direta entre a polpa e o periodonto. Esses canais acessórios contém tecido conjuntivo e vaso sanguíneo, que comunicam o sistema circulatório da polpa com o periodonto. Esses canais são uma via potencial para a disseminação de microorganismos e seus subprodutos tóxicos, assim como outros irritantes da polpa para o LPD e vice-versa
- Forame apical: é a principal via de comunicação entre a polpa e o periodonto. Bactérias e subprodutos infecciosos e inflamatórios da polpa lesionada podem infiltrar-se pelo forame apical, resultando em uma lesão perirradicular. O forame apical pode ser também uma porta de entrada dos elementos inflamatórios das bolsas periodontais profundas para a polpa. A inflamação ou necrose pulpar estende-se até os tecidos periapicais causando uma resposta inflamatória local frequentemente associada à reabsorção óssea e radicular. A eliminação dos fatores etiológicos do canal radicular é essencial para promover a cicatrização apical
Efeito da doença endodôntica sobre o periodonto
A inflamação da polpa provoca uma resposta inflamatória no ligamento periodontal no forame apical e/ou adjacente à abertura das ramificações. Irritantes de origem pulpar podem penetrar nos tecidos perirradiculares através do forame apical, de ramificações no terço apical do canal e/ou de túbulos dentinários expostos, e acionar uma resposta inflamatória vascular no periodonto. Tais irritantes incluem microrganismos patogênicos (bactérias, fungos e vírus) e patógenos não vivos (corpos estranhos e fatores intrínsecos). Em alguns casos, a doença pulpar irá estimular o crescimento epitelial, afetando a integridade dos tecidos perirradiculares. Os resultados da inflamação na polpa podem variar desde uma leve inflamação, até extensa destruição tecidual. Uma lesão pulpar pode gerar edema e, em alguns casos, fístula que pode drenar pela mucosa alveolar, gengiva inserida ou sulco gengival. Após um tratamento endodôntico adequado, tais lesões tendem a regredir sem maiores intercorrências. Alguns materiais utilizados durante a terapia endodôntica também podem estar relacionados a um aumento da resposta inflamatória. No entanto, tal resposta normalmente é de natureza transitória e curta duração. Além disso, alguns erros ocasionados durante o tratamento endodôntico, como perfurações e fraturas ocasionadas pelo uso de forças excessivas também podem estar relacionadas a processo inflamatório periodontal
Efeito da doença periodontal sobre a polpa
O efeito da inflamação periodontal sobre a polpa é controverso. Sugere-se que a doença periodontal não tenha maiores efeitos sobre a polpa, pelo menos até que a região apical seja envolvida. No entanto, vários estudos propõem que o efeito da doença periodontal na polpa é degenerativo por natureza, causando um aumento de calcificações, fibrose, reabsorção de colágeno e sequelas inflamatórias diretas. Raramente observam-se reações inflamatórias. A polpa parece não ser severamente afetada pela doença periodontal até que o defeito exponha um canal lateral ou acessório ao meio bucal. Nesse estágio, os patógenos da cavidade bucal penetram na polpa por meio desses canais acessórios e podem causar uma reação inflamatória seguida de necrose pulpar. No entanto, se a vascularização apical for mantida, a polpa pode responder positivamente aos testes de vitalidade. Além disso, o efeito do tratamento periodontal sobre a polpa é similar tanto na raspagem quanto na curetagem ou na cirurgia periodontal, se o canal é exposto ao meio bucal. Diversos estudos apoiam a visão de que a vitalidade da polpa normalmente não é ameaçada por procedimentos periodontais. Somente alterações inflamatórias localizadas podem ser observadas
Fatores etiológicos
Patógenos vivos
Dentre os patógenos vivos encontrados em uma polpa alterada que podem causar lesões no periodonto estão as bactérias, fungos e vírus. Esses patógenos e seus subprodutos podem afetar a integridade do periodonto, devendo ser eliminados durante o tratamento endodôntico. Da mesma forma, esses microrganismos são agentes causadores da doença periodontal, a partir da formação de biofilme e placas, devendo ser eliminados durante o tratamento periodontal
Patógenos não-vivos
Os patógenos não vivos podem ser tanto extrínsecos (como corpos estranhos) quanto intrínsecos, incluindo uma variedade de componentes teciduais. Dentre os corpos estranhos podemos citar: fragmentos de dentina e cemento, cimentos endodônticos, restos alimentares, depósitos semelhantes ao cálculo. Fatores intrínsecos incluem: epitélio inflamado, cristais de colesterol, corpúsculos de Russel, etc
Fatores coadjuvantes
Um dos principais fatores coadjuvantes é o tratamento endodôntico inadequado. O tratamento endodôntico de baixa qualidade permite a reinfecção, que pode levar frequentemente ao insucesso do tratamento e à reação inflamatória nos tecidos periodontais. Tais insucessos podem ser tratados tanto pelo tratamento convencional como pelo tratamento cirúrgico, ambos com bons índices de sucesso. Além disso, outros fatores como fraturas coronárias, lesões traumáticas, reabsorções radiculares, perfurações radiculares e malformações congênitas podem representar um papel importante no processo inflamatório tanto endodôntico quanto periodontal. Tais fatores devem ser manejados de forma individualizada a partir de terapias cirúrgicas e não-cirúrgicas para a normalização das reações teciduais
Classificação e diagnóstico diferencial
Várias classificações para orientar o estudo da formação das alterações endodôntico-periodontais até chegar-se à formação da verdadeira lesão endo-perio já foram formuladas no passado. A classificação mais considerada é fundamentada em como essas lesões são formadas. Entendendo a patogênese, o clínico pode oferecer o tratamento adequado e fazer uma estimativa do prognóstico
Doença endodôntica primária
- Achados clínicos: a exacerbação aguda de uma lesão apical em um dente com polpa necrosada pode drenar coronalmente pelo LPD até o sulco gengival. Clinicamente, essa condição pode simular a presença de um abscesso periodontal com a presença de uma pseudobolsa. Na realidade, trata-se de uma fístula de origem pulpar que se abre pelo LPD. Uma bolsa única e profunda com ausência de doença periodontal pode indicar a presença de uma lesão com origem endodôntica ou uma fratura radicular vertical. Para fins de diagnóstico, um cone de gutta-percha pode ser inserido na fístula e uma radiografia deve ser feita. Esse procedimento irá determinar a origem da lesão
- Achados radiográficos: nos estágios iniciais da doença, as alterações radiográficas podem não ser detectáveis. Com a evolução da doença pode ser observado um espessamento do LPDl do dente afetado, uma radiolucidez periapical ou uma lesão radiopaca estendendo-se de apical para a cervical
- Testes de sensibilidade pulpar: irão revelar uma resposta anormal ou ausente
- Sondagem: a sondagem da bolsa é estreita e não tem largura
- Tratamento e prognóstico: deve ser tratada apenas endodonticamente. Um prognóstico excelente é esperado se o tratamento for bem executado
Doença periodontal primária
- Achados clínicos: as lesões periodontais são causadas primariamente por patógenos periodontais. Nesse processo, a inflamação periodontal marginal crônica progride apicalmente ao longo da superfície radicular. O acúmulo de placa e cálculo é frequentemente observado e as bolsas são mais amplas
- Achados radiográficos: lesões ósseas com perda óssea angular são comumente encontradas e estendem-se da região cervical até o ápice. As lesões podem não ser limitadas a apenas um dente e frequentemente envolvem os dentes adjacentes. Ao contrário das lesões endodônticas primárias, a ausência da crista óssea pode mostrar claramente a raiz e o canal ao nível da perda óssea
- Testes de sensibilidade pulpar: na maioria dos casos, os testes de sensibilidade indicam uma resposta pulpar normal. Esse é um importante teste para diferenciar a doença endodôntica primária da periodontal primária
- Sondagem: a sondagem vai revelar bolsas mais amplas que não se estendem necessariamente até o ápice
- Tratamento e prognóstico: deve ser tratada exclusivamente pela terapia periodontal. Nesse caso, o prognóstico depende da gravidade da doença periodontal e da resposta tecidual do paciente
Doença endodôntica primária com envolvimento periodontal secundário
Se uma doença endodôntica primária com a presença de pus permanecer sem tratamento por determinado período de tempo, pode se tornar responsável secundariamente pelo rompimento do periodonto marginal
- Achados clínicos: a placa é encontrada na margem gengival de uma fístula isolada, que leva a inflamação periodontal marginal. Quando a placa ou o cálculo estão presentes, o tratamento e o prognóstico são diferentes daqueles do dente afetado apenas pela doença endodôntica primária. Os dentes adjacentes não são necessariamente acometidos
- Achados radiográficos: um espessamento evidente do LPD do dente afetado pode ser observado da região apical à cervical
- Testes de sensibilidade pulpar: revelam resposta negativa
- Sondagem: uma bolsa isolada porém ampla é normalmente encontrada estendendo-se até o ápice
- Tratamento e prognóstico: o dente afetado necessita tanto de tratamento endodôntico quanto periodontal. Se o tratamento endodôntico for adequado, o prognóstico depende da gravidade da lesão periodontal e da eficácia do tratamento. Com o tratamento endodôntico isolado, apenas a parte da lesão que é de etiologia endodôntica irá cicatrizar até o nível da lesão periodontal secundária. Um quadro similar pode ocorrer como resultado de uma perfuração radicular durante o tratamento endodôntico ou por pinos e núcleos mal posicionados. As fraturas radiculares também podem simular o aspecto desta lesão. Em ambos os casos, os sinais podem variar desde a presença de uma bolsa periodontal profunda localizada até a formação de abscessos periodontais mais agudos
Doença periodontal primária com envolvimento endodôntico secundário
A progressão de uma bolsa periodontal pode continuar até os tecidos apicais serem envolvidos. Nesse caso, a polpa pode se tornar necrótica como resultado da infecção, pela penetração bacteriana via canais laterais ou forame apical. Uma forte correlação entre a presença de microrganismos em canais radiculares e sua presença em bolsas periodontais em sítios com periodontite avançada tem sido demonstrada
- Achados clínicos: as lesões ósseas associadas à perda óssea angular são geralmente encontradas e estendem-se da região cervical até o ápice. A periodontite generalizada ou o envolvimento periodontal dos dentes adjacentes é comum. Sintomas associados à dor oriunda de uma polpa inflamada são comuns nos estágios iniciais. Com a evolução, é esperado que a polpa perca a sua vitalidade. Complicações do tratamento periodontal podem também levar a um envolvimento endodôntico secundário. Canais laterais e túbulos dentinários podem estar abertos ao ambiente bucal devido a curetagem, raspagem, etc. É possível que um vaso de um canal lateral seja lesionado facilitando a entrada de microorganismos, resultando em inflamação e necrose pulpar
- Achados radiográficos: as lesões ósseas associadas à perda óssea angular são geralmente encontradas e estendem-se da região cervical até o ápice, podendo também ser detectadas radioluscências periapicais adicionais
- Testes de sensibilidade pulpar: irão revelar uma resposta anormal ou completamente ausente
- Sondagem: mostra uma bolsa periodontal profunda que se estende apicalmente, não se estendendo, necessariamente até o ápice
- Tratamento e prognóstico: requer tanto um tratamento endodôntico como periodontal. O prognóstico depende principalmente da gravidade da doença periodontal e da resposta tecidual ao tratamento periodontal
Doenças combinadas verdadeiras
- Achados clínicos: ocorrem quando uma doença endodôntica progride coronariamente e está com um bolsa periodontal infectada que progride apicalmente. O grau de perda de suporte é alto
- Achados radiográficos: áreas de radiolucidez óssea extensa de origem endodôntica e periodontal podem ser associadas ao dente afetado. Dependendo do estágio da doença, a lesão pode ou não se comunicar. A apresentação pode ser similar a de um dente com fratura vertical, sendo a elaboração do diagnóstico diferencial essencial
- Testes de sensibilidade pulpar: irão revelar ausência de resposta
- Tratamento e prognóstico: requer tanto um tratamento endodôntico quanto periodontal. Apresentam frequentemente um prognóstico reservado. Geralmente, o tratamento endodôntico adequado irá resultar em cicatrização das lesões de origem pulpar. O prognóstico depende principalmente do sucesso da terapia periodontal
O tratamento de lesões endodônticas e periodontais combinadas não difere do tratamento dado quando as duas desordens ocorrem separadamente. A parte da lesão sustentada pela infecção do canal radicular pode geralmente se resolver depois do tratamento endodôntico apropriado. A parte da lesão causada pela infecção da placa pode também ser resolvida após terapia periodontal adequada, embora se espere pequena ou nenhuma reparação do aparato de inserção. Isso sugere que o prognóstico para regeneração do aparato de inserção parece ser mais favorável quando a maior parte da lesão é causada pela infecção de origem endodôntica.
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