ENDO 2 - Reabsorções dentárias
- anacrp
- 5 de jul. de 2023
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Aula 7

A reabsorção dentária é caracterizada pela perda de tecido duro dentário (cemento ou cemento e dentina) decorrente de osteoclastos ativos, podendo ocorrer tanto na superfície externa quanto na interna. Pode ser autolimitante (transitório) e, muitas vezes, subclínico. Entretanto, pode ser progressiva e potencialmente destrutiva. Dentina, cemento e osso são tecidos mineralizados de origem mesenquimal. A presença do ligamento periodontal (LP) separa dentina e cemento do osso, determinando suas diferentes suscetibilidades à reabsorção. Assim, os tecidos mineralizados do dente não são normalmente reabsorvidos, enquanto o osso é continuamente remodelado. Algumas hipóteses foram formuladas para explicar tal distinção; porém, ainda é obscuro o exato mecanismo pelo qual o processo de reabsorção é inibido. Os fatores etiológicos da reabsorção de um dente permanente são: traumatismos dentários, traumas oclusais, processo inflamatório crônico do tecido pulpar e/ou periodontal, pressão exercida pela movimentação ortodôntica, doença periodontal, neoplasias, erupção dentária, dentes impactados, iatrogenias ou idiopática.
Mecanismo de reabsorção
Atividades osteoblásticas e osteoclásticas são processos normais do tecido ósseo, o qual sofre reabsorção e aposição continuamente. Já os tecidos mineralizados do dente não sofrem remodelação, não sendo normalmente reabsorvidos, pois são protegidos, na superfície radicular, pelo pré-cemento e cementoblastos e, na cavidade pulpar, pela pré-dentina e odontoblastos. A perda dessas camadas, por fatores mecânicos ou químicos, permite o acesso de clastos ao tecido mineralizado, predispondo a reabsorção. O osteoclasto é o responsável pela reabsorção. Para que a osteoclastogênese ocorra, é necessário o contato entre os precursores dos osteoclastos e dos osteoblastos/células estromais, pois o ligante do ativador do receptor do NF-kB (RANKL) é uma molécula de superfície de osteoblastos/células estromais essencial para a diferenciação dos precursores em osteoclastos através da interação com o RANK. A ligação RANKL-RANK ativa uma cascata de sinais que conduz à osteoclastogênese. A osteoprotegerina (OPG) é produzida por osteoblastos/células estromais e também serve como um receptor ao RANKL, concorrendo com o RANK, inibindo a osteoclastogênese e a ativação dos osteoclastos. É o equilíbrio entre RANKL (estimulador) e OPG (inibidor) que irá determinar o processo de reabsorção. Vários fatores influenciam este equilíbrio, um deles é a inflamação em resposta à infecção dos canais. Após a perda das camadas de proteção do dente, os osteoclastos se aderem à sua superfície por meio de moléculas de integrina. Essa adesão ocorre de tal forma que a região do dente fica segregada do ambiente ao redor. Assim, ácidos e enzimas liberados pelos osteoclastos se concentram neste compartimento e promovem a reabsorção. Tal compartimento de reabsorção é conhecido como lacuna de Howship. Fatores liberados durante a resposta inflamatória à infecção podem induzir a formação e o aumento do número de osteoclastos, ou ativar osteoclastos maduros. Na persistência da inflamação, os mediadores químicos mantêm a reabsorção. Todavia, são liberados fatores que controlam a reabsorção. Removido o estímulo à inflamação, os fatores inibitórios podem se sobrepor aos indutores-mantenedores, iniciando o reparo. Assim, sempre haverá nas reabsorções uma causa representada por fatores desencadeadores, que iniciam a reabsorção, e um estímulo representado por fatores de manutenção, que a perpetuam.
Classificação das reabsorções
Segundo Lopes & Siqueira Jr (2020), as reabsorções podem ser classificadas de acordo com a superfície dentária afetada: reabsorções externas, quando se iniciam na superfície externa; reabsorções internas, quando se iniciam nas paredes da cavidade pulpar; e reabsorções internas/externas (perfurantes), quando há comunicação entre as áreas de reabsorção.
Reabsorção externa: pode se iniciar em qualquer ponto da superfície radicular de dentes completamente erupcionados. Radiograficamente, é mantido o contorno pulpar, havendo superposição do canal com a reabsorção. Microscopicamente, observa-se superfícies dentinárias irregulares repletas de células clásticas nas lacunas de Howship. As reabsorções externas são subclassificadas em:
- Reabsorção externa substitutiva: consiste na progressiva substituição da raiz por osso, que ocorre após um trauma significativo ao LP e/ou à superfície radicular, como luxação intrusiva e avulsão. Pode ocorrer também após reimplantes e transplantes. Após grandes injúrias, com ausência total ou de parte do LP, o osso fica justaposto à superfície radicular, estabelecendo uma anquilose dentoalveolar. Esta união favorece a atração e ligação de células clásticas à superfície radicular. Devido ao ciclo normal de remodelação óssea, o dente anquilosado se converte em parte integrante desse sistema, sendo a sua raiz gradativamente substituída por osso. A anquilose e a reabsorção substitutiva não são revertidas pois o osso reabsorve e remodela continuamente. Clinicamente, é assintomática. O dente anquilosado encontra-se imóvel, frequentemente em suboclusão e com um som metálico à percussão. Radiograficamente, há o desaparecimento do espaço pericementário e uma contínua substituição da raiz por osso. Não há área radiolúcida. O trauma pode afetar o suprimento sanguíneo apical, resultando na obliteração do canal ou necrose. Nas necroses, pode ocorrer uma infecção com superposição de uma reabsorção externa inflamatória à substitutiva. Nesses casos, realiza-se o tratamento endodôntico para conter a reabsorção inflamatória, não tendo qualquer efeito sobre a reabsorção substitutiva, que é lenta (menos em jovens) e pode levar de 3-10 anos para completa substituição da raiz por osso.
- Reabsorção externa transitória ou de superfície: é uma reabsorção que paralisa sem qualquer intervenção, podendo se desenvolver em qualquer ponto da raiz. É paralisada pois a área danificada e o processo instalado não tem magnitude para manter a reabsorção, um fator inibidor da reabsorção é maior que um fator de estímulo, e porque a polpa não está envolvida. Tem como etiologia traumas de baixa intensidade, como concussão e subluxação. Radiograficamente, são de difícil visualização. Clinicamente, o dente encontra-se normal. São autolimitantes e reparam-se espontaneamente. Nenhum tratamento é indicado.
- Reabsorção inflamatória externa por pressão ou estéril: associada a pressão causada pela movimentação ortodôntica, dentes impactados, erupções dentárias, cistos, neoplasias e traumas oclusais, estando localizada com mais frequência na região apical. Cessa desde que removida a causa, estando a polpa hígida. Os testes pulpares são geralmente positivos. Quando o tratamento ortodôntico é a causa e estímulo da reabsorção, a mesma cessará após a remoção da força. Se houver superposição de um processo infeccioso, o tratamento endodôntico é indicado. Lopes & Siqueira Jr (2020) dividem a reabsorção inflamatória externa infecciosa em reabsorção inflamatória externa apical e reabsorção inflamatória externa do segmento médio (lateral).
- Reabsorção inflamatória externa apical: é uma reabsorção progressiva localizada no ápice radicular, ocorrendo em dentes com necrose e lesão perirradicular. A polpa necrosada e infectada é o principal fator etiológico. Microrganismos presentes no interior do sistema de canais radiculares (SCR) promovem uma inflamação crônica nos tecidos perirradiculares, induzindo a liberação de mediadores químicos que estimulam ou ativam células clásticas, promovendo reabsorção óssea e dentária apical. É normalmente assintomática, sendo os sintomas associados à inflamação perirradicular. Os testes de vitalidade são negativos. Radiograficamente, observa-se áreas radiolúcidas no ápice e no osso adjacente. A reabsorção é irregular, podendo haver um encurtamento da raiz, ser mais acentuada em uma das faces da raiz ou adentrar o canal em sentido coronário. O tratamento consiste na remoção da infecção presente no SCR. Para isso, um adequado preparo químico-mecânico com irrigação profícua com NaOCl é necessário. Trocas de medicação intracanal à base de hidróxido de cálcio estão indicadas, pois além da atividade antimicrobiana, favorece o reparo da reabsorção. Quando a reabsorção está presente em dentes tratados endodonticamente, o retratamento é indicado. Em último caso, pode-se optar pela cirurgia perirradicular.
- Reabsorção inflamatória externa lateral do segmento médio: é uma reabsorção progressiva estabelecida nos segmentos médios e/ou apical da raiz. É causada por uma associação entre um trauma grave (luxação ou avulsão) seguido de necrose e infecção do SCR. Os produtos tóxicos do SCR atravessam os túbulos dentinários expostos durante o trauma e alcançam os tecidos periodontais laterais, provocando uma resposta inflamatória. Radiograficamente, há perda contínua de tecido dental associada a zonas radiolúcidas no osso adjacente. Normalmente, a reabsorção não atinge a luz do canal (reabsorção externa não perfurante). Porém, às vezes, ela pode se comunicar com o interior do canal (reabsorção externa perfurante). Nos casos não perfurantes, o tratamento indicado é o mesmo da reabsorção inflamatória externa apical. Nos casos perfurantes, o tratamento endodôntico deve ser realizado com sucessivas trocas de medicação intracanal à base de hidróxido de cálcio e o vedamento da reabsorção deve ser feito com Agregado de Trióxido Mineral (MTA). Dependendo do tamanho da reabsorção, do comprometimento dos tecidos adjacentes e da disseminação da infecção, a exodontia pode ser indicada.
- Reabsorção externa cervical invasiva: localiza-se no segmento coronário da raiz, além do epitélio juncional do dente. Acredita-se que seja derivada de uma reação inflamatória do LP advinda de estímulo microbiano do sulco gengival. Porém, pode também ser oriunda de uma desordem benigna proliferante fibrovascular ou fibro-óssea em que microrganismos não têm nenhum papel patogênico, mas podem se tornar invasores secundários. Sua exata etiologia não é totalmente esclarecida. De modo geral, pode ocorrer em dentes reimplantados, anquilosados, em infra oclusão ou mesmo luxados. História prévia de trauma dentário e/ou tratamento ortodôntico são os fatores mais associados à essa reabsorção. É assintomática e geralmente detectada pelo exame radiográfico de rotina, sendo os dentes uniradiculares superiores os mais afetados. A polpa não está envolvida e os testes de vitalidade estarão normais. Em estágios avançados, um tecido de granulação pode ser observado solapando o esmalte da coroa, dando-lhe uma aparência rosada. Essa “mancha rosada” é oriunda do LP e não da polpa. É importante não confundir com a típica “mancha rosada”, sinal patognomônico das reabsorções internas. O aspecto radiográfico é variável, caracterizado por uma área radiolúcida no interior da raiz, similar à de cáries profundas. Porém, a sondagem à cárie revela paredes amolecidas, enquanto nas reabsorções as paredes são duras. Quando sondada, a reabsorção sangra abundantemente e uma sensação tátil de esponja é observada devido à presença de tecido de granulação. Objetivando manter o dente afetado em um estado saudável, funcional, e melhorar a estética, o tratamento consiste em expor a reabsorção (cirurgicamente ou não), remover o tecido de granulação e restaurar a área reabsorvida com MTA. O tratamento endodôntico é indicado se houver envolvimento pulpar ou se o remanescente de dentina próximo ao canal for muito pequeno. Dependendo da extensão e localização da reabsorção, a exodontia pode ser indicada.
Reabsorção interna: se origina na parede do canal, podendo ser transitória ou progressiva. A transitória envolve apenas a perda dos odontoblastos e da pré-dentina, sendo autolimitante e reparada por um novo tecido duro, que preenche a lacuna de reabsorção. A progressiva continua além do local em que a dentina foi exposta. Quanto ao mecanismo de reabsorção, são classificadas em inflamatória ou substitutiva.
- Reabsorção interna inflamatória: é a reabsorção da face interna da cavidade pulpar por clastos adjacentes ao tecido de granulação da polpa. Resulta de uma inflamação pulpar crônica, tendo como fatores etiológicos o trauma e a infecção. Para que a reabsorção se instale além do tecido de granulação, é necessário que as camadas de odontoblastos e pré-dentina sejam perdidas. Trauma e superaquecimento podem danificar essas camadas. Histologicamente, observa-se transformação do tecido pulpar em tecido de granulação, reabsorvendo às paredes do canal e avançando em sentido a periferia. A polpa coronária apresenta uma zona com tecido pulpar necrosado e infectado, sendo esse o fator de manutenção da reabsorção. É geralmente assintomática, sendo observada no exame radiográfico de rotina. A dor pode estar presente se a perfuração da coroa ocorrer (mancha rosada) e o tecido metaplásico ficar exposto ao meio oral. Parte da polpa coronária encontra-se necrótica enquanto o segmento pulpar remanescente permanece vital, podendo gerar uma resposta pulpar positiva. Após um período, a polpa pode tornar-se completamente necrótica, paralisando a reabsorção. Pode ocorrer em qualquer região que apresenta polpa viva. Radiograficamente, há um aumento simétrico do canal de aspecto ovalado (ampola de reabsorção). Com o objetivo de estabelecer um correto tratamento, as reabsorções internas são divididas em não perfurantes e perfurantes. As não perfurantes são resolvidas pelo tratamento endodôntico convencional. A reabsorção cessa quando se remove todo o tecido pulpar, tendo em vista a interrupção da circulação sanguínea que nutre as células clásticas. Para a remoção do tecido presente na reabsorção é recomendada bastante irrigação com NaOCl e um preparo adequado do SCR. Além disso, a utilização de uma medicação intracanal à base de hidróxido de cálcio pode ser um excelente coadjuvante para a completa remoção do tecido de granulação. A obturação deve ser realizada com técnicas termoplásticas para preencher corretamente a ampola de reabsorção. Nas reabsorções perfurantes, o tratamento pode ser não cirúrgico (semelhante ao indicado para as reabsorções externas perfurantes) ou cirúrgico, que vai depender do tamanho e localização da reabsorção. Dependendo da destruição do dente, a exodontia pode ser indicada.
- Reabsorção interna substitutiva: radiograficamente, caracteriza-se por um aumento irregular da cavidade pulpar. O contorno pulpar não é mantido, não havendo superposição da cavidade pulpar com a área da reabsorção. Histologicamente, observa-se substituição de dentina por osso. A sua etiologia é o trauma de baixa intensidade. O tratamento indicado é o mesmo da reabsorção interna inflamatória não perfurante.
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